Consegue localizar uma mutação cancerígena?
Published in Science in School (http://www.scienceinschool.org)
Consegue localizar uma mutação cancerígena?
Traduzido por Artur Melo
Imagem cortesia de C Brooksbank, European Bioinformatics Institute |
Como se desenvolve o cancro, e como
conseguem os geneticistas saber que uma célula é cancerosa? Esta
actividade de ensino desenvolvida pela ‘Communication and Public Engagement team’ do’ Wellcome Trust Sanger Institute’, Reino Unido, responde a estas e outras questões relacionadas.
Todos os cancros resultam de alterações na
sequência do ADN em algumas das nossas células. Como o material
genético, que se encontra no interior das células, está exposto a
agentes mutagénicos, tais como as radiações UV, pode acumular erros
durante a replicação. Ocasionalmente, uma destas mutações altera a
função de um gene crítico, aumentando a capacidade de crescimento da
célula na qual ocorreu, e na sua descendência; estas células
dividir-se-ão mais rapidamente que as suas vizinhas.
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Gradualmente, o ADN adquire mais mutações, o
que pode danificar outros genes chave, originando células que se
dividem de uma forma particularmente rápida e se tornam invasivas. O
resultado é a formação de um tumor, a invasão dos tecidos circundantes
e, eventualmente, metástases – o alastramento do cancro para outras
partes do corpo.
O KRAS (que se pronuncia
‘kay-rass’) é um proto-oncogene que codifica a proteína KRAS, uma
proteína sinalizadora intracelular envolvida na promoção do crescimento
celular (para distinguir genes de proteínas, convencionou-se escrever o
nome dos genes em itálico). A actividade seguinte permite aos alunos
utilizar informação genómica real do ‘Cancer Genome Project’w1, para investigar mutações frequentes no gene KRAS
associadas com a oncogénese (aparecimento de cancros) e o aparecimento
de cancros pancreáticos, colo-rectais, pulmonares e outros.
Originalmente criada para usar em visitas de estudo ao ‘Sanger
Institute’w2, a actividade foi depois disponibilizada através do website ‘Yourgenome.org’w3. Fez, recentemente, parte do primeiro curso de bioinformática para professores europeus organizado pelo ELLSw4 no ‘European Bioinformatics Institute’w5
em Hinxton, Reino Unido. A actividade completa estimula o debate sobre
as causas do cancro, função das mutações genéticas, estrutura e função
das proteínas.
A actividade KRAS
Duração prevista: 45-60 minutos (incluindo a apresentação e discussão)
Materiais
Todos os materiais necessários para executar
a actividade podem ser descarregados gratuitamente no website
‘Yourgenome.org’ separadamente ou num único ficheiro zipw6.
Para utilizar a banda, irá precisar
também de setas grandes para identificar as mutações na sequência do
gene, quadrados para marcar as áreas que já foram verificadas (KRAS_annotations.pdf),
e fita adesiva reutilizável (p.ex. Blu Tack®) para fixar as setas e os
quadrados à banda com a sequência do gene. Saiba mais sobre como usar
este método nas ‘Notas do Professor’ disponíveis para downloadw6.
Como complemento, pode achar útil ter à
mão modelos de ADN, de péptidos e/ou proteínas, e utilizar as animações
do ‘Wellcome Trust Sanger Institute’ (Cancer: Rogue cells and Role of cancer genes) no website da actividade KRASw6.
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Figura 3: A ficha com o gene KRAS. Clique na imagem para ampliar Imagem cortesia de the Wellcome Trust Sanger Institute Communication and Public Engagement team Figura 4: Use a roda de codões para traduzir os codões de ADN para aminoácidos. Para descodificar um codão localize a primeira letra da sua sequência no circulo interior e prossiga para o exterior, para identificar o aminoácido correspondente. Por exemplo, CAT codifica o H (histidina). Note que este diagram usa o sentido 5’-3’ dos codões de ADN. Clique na imagem para ampliar Imagem cortesia deC Brooksbank, European Bioinformatics Institute Figura 5: O mRNA é sintetizado a partir da cadeia antiparalela de ADN. A cadeia 5’-3’ de ADN, usada nesta actividade, apresenta a mesma sequência da cadeia de mRNA correspondente, com excepção do T que é substituido por U. Clique na imagem para ampliar Imagem cortesia de Cleopatra Kozlowski |
Introdução à actividade
A apresentação Investigating Cancer (disponível onlinew6)
fornece aos alunos uma visão geral sobre o cancro. Introduz o conceito
de que o cancro tem origem em alterações na sequência do ADN, explica as
várias causas destas mutações e apresenta as fichas de trabalho e a
actividade. Várias secções da apresentação estimulam os debates dos
alunos (ver as notas da apresentaçãow6).
Há um total de 11 fichas de trabalho, cada uma representando duas regiões diferentes do gene KRAS.
As seis mutações existentes no gene KRAS estão nas fichas 1 a 6, por
isso não se esqueça de baralhar as fichas antes de as distribuir aos
alunos. Devem ser todas trabalhadas para garantir a cobertura completa
do gene. É importante referir aos alunos que as mutações são
(relativamente) raras, e, por isso, nem todos irão encontrar uma; este
facto pode ser usado para explorar a importância dos dados nulos e da
análise abrangente em estudos científicos.
Identificação das mutações
Se os alunos encontrarem um pico duplo na
posição de uma base, esta situação deve ser registada com as duas bases
alternativas nessa posição, uma por cima da outra. Na figura 8,
a sequência saudável de ADN apresenta um G, enquanto a sequência
tumoral tem um G e um C. Isto não é uma inserção: representa uma mutação
heterozigótica em que apenas numa das cópias do gene o C substituiu o
G. Neste caso a sequência tumoral substituiu o G por um C.
Figura 9: Marcar as regiões do gene que foram verificadas e destacar todas as mutações Imagem cortesia de the Wellcome Trust Sanger Institute Communication and Public Engagement team |
Todos os alunos devem indicar as regiões do
gene que verificaram marcando as regiões relevantes na ficha do gene
(ver figura 9, à esquerda).
Os alunos que encontrarem uma mutação
devem especificar a base com um circulo na ficha do gene (ver figura 9) e
registar em que codão ela ocorreu (neste exemplo, codão 12).
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Devem, também, preencher o quadro que se
encontra na base da ficha de trabalho, usando a roda de codões para
traduzir a sequência de ADN para aminoácidos, como mostra o Quadro 1:
Aminoácido número | Sequência de ADN da célula saudável; | Sequência de ADN da célula tumoral | Aminoácido da célula saudável | Aminoácido da célula tumoral |
12 | GGT | GTT | Glicina (G) | Valina (V) |
Após todas as mutações terem sido encontradas, registe-as na ficha de resumo (ver Quadro 2).
Aminoácido número | Sequência de ADN da célula saudável | Sequência de ADN da célula tumoral | Aminoácido da célula saudável | Tumour cell amino acid |
12 |
GGT
|
GTT
|
G (glicina) | V (valina) |
13 |
GGC
|
GAC
|
G (glicina) | D (ácido aspártico) |
30 |
GAC
|
GAT
|
D (ácido aspártico) | D (ácido aspártico) |
61 |
CAA
|
CGA
|
Q (glutamina) | R (arginina) |
146 |
GCA
|
CCA
|
A (alanina) | P (prolina) |
173 |
GAT
|
GAC
|
D (ácido aspártico) | D (ácido aspártico) |
Discussão dos resultados
Os resultados atrás indicados
correspondem todos a substituições de uma única base. Estas mutações, na
região codificadora de proteína do gene KRAS, podem ser classificadas num de três tipos, de acordo com a informação codificada pelo codão alterado.
- Mutações silenciosas codificam o mesmo aminoácido.
- Mutações com perda de sentido codificam um aminoácido diferente.
- Mutações sem sentido codificam um stop e podem truncar a proteína.
Verifique se as mutações são
expressivas – terão elas impacto na função da proteína ou serão elas
‘silenciosas’? Nesta actividade, os codões 30 e 173 são silenciosos e,
portanto, não têm impacte funcional.
Aminoácido número | Sequência de ADN da célula saudável | Sequência de ADN da célula tumoral | Aminoácido da célula saudável | Aminoácido da célula tumoral | Tipo de mutação | Expressivas sim / não |
12 |
GGT
|
GTT
|
G (glicina) | V (valina) | Pontual (com perda de sentido) | Sim |
13 |
GGC
|
GAC
|
G (glicina) | D (ácido aspártico) | Pontual (com perda de sentido) | Sim |
30 |
GAC
|
GAT
|
D (ácido aspártico) | D (ácido aspártico) | Pontual (silenciosa) | Não |
61 |
CAA
|
CGA
|
Q (glutamina) | R (arginina) | Pontual (com perda de sentido) | Sim |
146 |
GCA
|
CCA
|
A (alanina) | P (prolina) | Pontual (com perda de sentido) | Sim |
173 |
GAT
|
GAC
|
D (ácido aspártico) | D (ácido aspártico) | Pontual (silenciosa) | Não |
A apresentação tem uma imagem 3D, com
espaços para prencher, da proteína KRAS (figura 10, à direita); os
slides 26 a 30 mostram em que local da proteína se encontram as mutações
expressivas, e poderá verificar que estão todas na mesma região. Os
codões 12, 13 e 61 foram as primeiras mutações a ser associadas com a
transformação oncogénica na proteína KRAS; a mutação 146 apenas foi
descoberta em 2005. Utilize estes slides para discutir o impacte que as
mutações poderiam ter na estrutura da proteína e na função da KRAS na
sinalização do crescimento.
Como actividade opcional, os alunos podem
utilizar o RasMol, um software de modelação de moléculas que foi usado
para criar as imagens dos slides 26 a 30, para destacar os aminoácidos
mutados na estrutura da proteína. Ver as notas do professorw6 para mais detalhes.
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Figura 10: Uma representação 3D da proteína KRAS. Os aminoácidos 12 (azul), 13 (amarelo), 61 (laranja) e 146 (violeta) são os que apresentam mutações Imagem cortesia de the Wellcome Trust Sanger Institute Communication and Public Engagement team, created with RasMol |
Como influencia este tipo de informação a nossa abordagem ao cancro?
As notas do professorw6 contêm uma vasta informação de base, usando o KRAS
como exemplo, para estimular a discussão sobre como a informação
genómica pode ser usada para facilitar o nosso conhecimento sobre o
cancro e desenvolver tratamentos para o cancro. Tópicos de discusão para
os alunos incluem:
- Que experiências ou abordagens poderiam ser usadas para estabelecer quais os cancros relacionados com as mutações KRAS?
- Quais poderiam ser as vantagens de conhecer esta informação?
- O cancro é uma doença genética: é o resultado de alterações na sequência do ADN. É por isso que muitas pessoas acreditam que a aplicação de fundos na investigação da genética oncológica é a melhor maneira de desenvolver novos tratamentos para o cancro e, por isso, lidar com a doença. O tratamento do cancro e o tratamento de doentes também precisa de grandes quantias monetárias (o ‘National Health Service’ do Reino Unido gastou mais de 2000 milhões de libras em tratamentos de cancro só em 2000). Onde e como acham os alunos que o dinheiro deve ser gasto?
Referências da Internet
w1 – Saiba mais sobre o ‘Cancer Genome Project’ no ‘Wellcome Trust Sanger Institute’ aqui: www.sanger.ac.uk/genetics/CGP
w2 – Para saber mais sobre o ‘Wellcome Trust Sanger Institute’ em Hinxton, Reino Unido, leader no Projecto Genoma Humano, ver: www.sanger.ac.uk
O instituto oferece visitas a grupos de alunos, professores e público em geral, assim como apoio aos professores e outras oportunidades de envolvimento. Ver: www.sanger.ac.uk/about/engagement
w3 – O website
Yourgenome.org foi lançado pelo ‘Sanger Institute’ para estimular o
interesse e o debate em torno da investigação genética. Inclui uma
secção de recursos vários e bem desenvolvidos para professores,
incluindo a actividade apresentada neste artigo. Ver: www.yourgenome.org
w4 – O ‘European
Learning Laboratory for the Life Sciences’ (ELLS) no ‘European Molecular
Biology Laboratory’ fornece cursos de desenvolvimento profissional de
continuidade (LearningLABs) em biologia molecular, para professores do
ensino secundário europeus. Em Março de 2010, o ELLS realizou o primeiro
‘LearningLAB’ de bioinformática para professores no ‘European
Bioinformatics Institute’ no Reino Unido. Para obter informação sobre
cursos ELLS, dirija-se a: www.embl.org/ells
w5 – Para saber mais sobre o ‘European Bioinformatics Institute’, ver: www.ebi.ac.uk
w6 – Para descarregar todos os materiais da actividade KRAS e informação complementar de suporte, ver: www.yourgenome.org/teachers/kras.shtml
Recursos
Websites para orientação dos alunos e debate
O website do ‘Cancer Research UK’ oferece
informação acessível sobre os principais tipos de cancro e a
investigação actual. Ver: http://info.cancerresearchuk.org/cancerandresearch
O website da ‘New Scientist’ tem uma
área dedicada ao cancro, com os artigos mais recentes sobre a evolução
da investigação sobre o cancro e animações interactivas que demonstram
funções específicas dos medicamentos contra o cancro. Ver: www.newscientist.com/topic/cancer
O ‘Nature Milestones in Cancer’
oferece uma colecção de artigos de análise seleccionados e uma
biblioteca online de artigos sobre pesquisas recentes do ‘Nature
Publishing Group’, disponíveis para download em formato pdf. Tem também
um friso cronológico com os principais marcos na investigação do cancro.
Ver: www.nature.com/milestones/milecancer
O website de multimedia ‘Inside Cancer’ criado
pelo ‘DNA Learning Center’, oferece um guia multimédia para a biologia,
diagnóstico e tratamento do cancro. Ver: www.insidecancer.org
Notícias recentes
O website da BBC News publicou um artigo
interessante sobre como ‘hotspots’ genéticos de cancro do intestino,
recentemente descobertos, poderão ajudar os médicos para um melhor
tratamento da doença. Ver: http://news.bbc.co.uk ou use o link directo: http://tinyurl.com/28o7zgf
Sample I (2009) First cancer genome sequences reveal how mutations lead to disease. The Guardian. Ver www.guardian.co.uk ou use o link directo: http://tinyurl.com/yeknj5x
Roberts M (2009) Scientists crack ‘entire genetic code’ of cancer. BBC News. Ver http://news.bbc.co.uk ou use o link directo: http://tinyurl.com/yb59qcz
Este artigo inclui um vídeo de uma entrevista com o Professor Mike Stratton, chefe do ‘Cancer Genome Project’.
Friday BB, Adjei AA (2005) K-ras as a target for cancer therapy. Biochimica et Biophysica Acta – Reviews on Cancer 1756(2): 127-144. doi: 10.1016/j.bbcan.2005.08.001
Futreal A et al. (2004) A census of human cancer genes. Nature Reviews Cancer 4: 177-183. doi: 10.1038/nrc1299
A versão do autor deste documento pode ser consultada gratuitamente online. Ver: www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc ou use o link directo: http://tinyurl.com/3x5hah6Para um catálogo completo de genes responsáveis por cancros somáticos (COSMIC) descritos no documento anterior e criado pelo ‘Cancer Genome Project’, ver: www.sanger.ac.uk
Stratton MR, Campbell PJ, Futreal AP (2009) The cancer genome. Nature 458: 719-724. doi: 10.1038/nature07943
Descarregue o artigo gratuitamente aqui, ou assine a Nature agora: www.nature.com/subscribe
Para mais informações sobre como as mutações genéticas provocam doenças, ver:
Patterson L (2009) Um olhar sobre as doenças genéticas. Science in School 13: 53-58. www.scienceinschool.org/2009/issue13/insight/portuguese
Para ler uma entrevista com o investigador Joan Massagué:
Sherwood S (2008) On the trail of a cure of cancer. Science in School 8: 56-59. www.scienceinschool.org/2008/issue8/joanmassague
Para obter uma actividade de debate sobre a
ética de saber o que os nossos genes nos reservam, incluindo a
possibilidade de cancro, ver:
Strieth L et al. (2008) Meet the Gene Machine: stimulating bioethical discussions at school. Science in School 9: 34-38. www.scienceinschool.org/2008/issue9/genemachine
Se gostou deste artigo, porque não dar uma olhadela a artigos relacionados com medicina anteriormente publicados na Science in School? Ver: www.scienceinschool.org/medicine
O programa ‘Wellcome Trust Sanger Institute
Communication and Public Engagement’ divulga a natureza, descobertas e
maravilhas da ciência e as suas implicações para os indíviduos e para a
sociedade. Tenta tornar a investigação biomédica complexa acessível a
uma vasta audiência, que inclui alunos e respectivos professores,
através de visitas programadas, várias colaborações e do website
‘Yourgenome.org’w3. Para mais informações sobre o programa, ver: www.sanger.ac.uk/about/engagement; para contactar a equipa, envie um email para pubengage@sanger.ac.uk.
Opinião
As actividades de ensino descritas neste
artigo pretendem envolver activamente alunos de biologia do ensino
secundário numa pesquisa de mutações que poderão, potencialmente, levar
ao desenvolvimento de cancro, usando informação genómica real. O
procedimento não é verdadeiramente experimental, pelo que não é
necessário equipamento laboratorial. Em vez disso, a investigação é
teórica e baseia-se em dados reais. Todos os materiais necessários para
levar a cabo a actividade, incluindo instruções detalhadas, podem ser
descarregados gratuitamente no website do programa.
Além de descrever os vários passos da
actividade, o artigo e o website de suporte incluem informação
importante sobre o que são cancros, o que os provoca, como se
desenvolvem e como a informação genómica pode ser útil para criar
tratamentos. Além disso, são sugeridos vários tópicos de discussão para
ampliar a compreensão do cancro pelos alunos.
Michalis Hadjimarcou, Chipre
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